Contagem
regressiva. Expectativa. Lágrimas e satisfação.
Sábado à tarde o ônibus espacial retorna ao
espaço levando 7 dos meus amigos de profissão. A
última vez que a humanidade viu e sentiu essa emoção,
o Brasil estava a bordo. Coisa histórica. A Missão
Centenário cumpriu exatamente os objetivos estabelecidos
pela sua gerência, a Agência Espacial Brasileira.
Invejas a parte, o programa espacial anda muito bem, obrigado!
Hoje, quinta-feira, a sensação é interessante.
Esse artigo deverá sair apenas no domingo. Em consequência,
o lançamento já deverá ter ocorrido. Será
que foi bem? Será que meus amigos estarão comigo
depois do vôo? Coisa que “pessoas que ignoram”
adoram dizer: “vôo espacial é uma atividade
de muito risco.” Você sabia? Nós sabemos disso!
Por isso, Astronautas e Cosmonautas são selecionados entre
tantos candidatos. Nós sabemos exatamente porque estamos
aqui, e sabemos como viver, ou morrer, por esse ideal. E assim,
e por isso, continuamos nosso trabalho. Apesar de tudo. Apesar
de alguns. O nosso trabalho é mais importante que pensamentos
mesquinhos. É coisa para a humanidade. É coisa para
o futuro. É coisa para quando a maioria das palavras e
suas bocas estiverem mortas. A vida é assim. A juventude
de hoje estará no comando. Isso é o que importa
agora.
Importa também a segurança. Cuidam até dos
urubus durante a decolagem. Câmeras retratam cada detalhe.
Afinal, se houver algo perigoso, é essencial que todos
vejam. Tragédia, controvérsia e polêmica vendem
jornais. Assim, é essencial que haja imagens. Até
dos urubus. Já pensou se um deles acidentalmente entra
no caminho daquela espaçonave? Penas para todos os lados.
Penas negras. A colisão com um veículo famoso, carregado
de combutível, boas intenções e sete profissionais
de verdade, indo para o espaço, onde nenhum urubu jamais
sonhou em chegar, certamente estaria em TVs do mundo inteiro.
E o urubu ficaria famoso! Morreria, coitado! Despedaçado
pelo impacto. Torrado pelos jatos quentes. Morreria, mas, ficaria
famoso. Já pensou as manchetes?
Aqui na NASA a torcida é grande para uma missão
perfeita. Todos escolheram torcer pelo Tarzan ao invés
do jacaré.
Esta semana conversei com o Mike Fossum, especialista de missão
da STS-121.
Fizemos o curso básico de astronauta juntos. Ele também
é da “turma pinguim”.
Perguntei a ele: “Como está o coração?
Preparado? Feliz?”.
Ele respondeu: “Sabe, sinto uma mistura de orgulho, pátria
e satisfação. Algo muito forte. Sei dos riscos,
mas penso apenas na missão.”
Contei sobre minha experiência de vida recente. Antes, durante
e depois do vôo. Disse que senti a mesma coisa. Relatei
como essa determinação e conhecimento exato da importância
do que é necessário realizar, acaba por nos manter
“na proa”, independente de qualquer opinião
ou influência maléfica dos inimigos do país.
Ele ouviu, pensou e concordou com cada letra. Percebi como esse
é um sentimento comum entre todos nós nessa profissão.
Na verdade, estamos aqui por razões semelhantes, independentemente
do país. Somos ferramentas da humanidade. Da parte da humanidade
que representamos. Somos astronautas.
“E a participação do Brasil na ISS. Depois
do seu vôo as coisas estão melhorando, não
estão?” perguntou Mike de imediato. Achei interesante
sua pergunta. Afinal, depois de tantos atrasos e decepções
para os outros 15 países participantes, pouca gente se
interessa, ou dá o valor que o Brasil realmente merece
nesse programa.
“Espero que sim!”, respondi. “Afinal, não
sou eu que respondo oficialmente pelo programa no Brasil. Isso
é competência exclusiva da Agência Espacial
Brasileira. Mas estou fazendo a minha parte. O máximo que
posso, há oito anos!”. Ele sorriu e disse, “então
vai funcionar!”. Gostei da sua reação.
Espero que ele tenha razão, e que o Brasil reconheça
a grande importância dessa cooperação para
a imagem interncaional do país.
Assim como espero que tudo funcione muito bem no vôo da
STS-121.
Assim, nesse sábado, espero que a Discovery ronque forte
seus motores novamente. Decole entre lágrimas e satisfação.
Mostre ao mundo que o trabalho e o esforço são as
únicas maneiras verdadeiras de “realizar”.
Passe rapidamente pela barreira do som, subindo veloz e altiva
para muito longe do alcance dos interesses mundanos. Alcance o
o espaço!
Os urubus? Que sobrevivam.
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