DE VOLTA AO ESPAÇO

Marcos Pontes
30/06/2006

Contagem regressiva. Expectativa. Lágrimas e satisfação. Sábado à tarde o ônibus espacial retorna ao espaço levando 7 dos meus amigos de profissão. A última vez que a humanidade viu e sentiu essa emoção, o Brasil estava a bordo. Coisa histórica. A Missão Centenário cumpriu exatamente os objetivos estabelecidos pela sua gerência, a Agência Espacial Brasileira. Invejas a parte, o programa espacial anda muito bem, obrigado!
Hoje, quinta-feira, a sensação é interessante. Esse artigo deverá sair apenas no domingo. Em consequência, o lançamento já deverá ter ocorrido. Será que foi bem? Será que meus amigos estarão comigo depois do vôo? Coisa que “pessoas que ignoram” adoram dizer: “vôo espacial é uma atividade de muito risco.” Você sabia? Nós sabemos disso! Por isso, Astronautas e Cosmonautas são selecionados entre tantos candidatos. Nós sabemos exatamente porque estamos aqui, e sabemos como viver, ou morrer, por esse ideal. E assim, e por isso, continuamos nosso trabalho. Apesar de tudo. Apesar de alguns. O nosso trabalho é mais importante que pensamentos mesquinhos. É coisa para a humanidade. É coisa para o futuro. É coisa para quando a maioria das palavras e suas bocas estiverem mortas. A vida é assim. A juventude de hoje estará no comando. Isso é o que importa agora.
Importa também a segurança. Cuidam até dos urubus durante a decolagem. Câmeras retratam cada detalhe. Afinal, se houver algo perigoso, é essencial que todos vejam. Tragédia, controvérsia e polêmica vendem jornais. Assim, é essencial que haja imagens. Até dos urubus. Já pensou se um deles acidentalmente entra no caminho daquela espaçonave? Penas para todos os lados. Penas negras. A colisão com um veículo famoso, carregado de combutível, boas intenções e sete profissionais de verdade, indo para o espaço, onde nenhum urubu jamais sonhou em chegar, certamente estaria em TVs do mundo inteiro. E o urubu ficaria famoso! Morreria, coitado! Despedaçado pelo impacto. Torrado pelos jatos quentes. Morreria, mas, ficaria famoso. Já pensou as manchetes?
Aqui na NASA a torcida é grande para uma missão perfeita. Todos escolheram torcer pelo Tarzan ao invés do jacaré.
Esta semana conversei com o Mike Fossum, especialista de missão da STS-121.
Fizemos o curso básico de astronauta juntos. Ele também é da “turma pinguim”.
Perguntei a ele: “Como está o coração? Preparado? Feliz?”.
Ele respondeu: “Sabe, sinto uma mistura de orgulho, pátria e satisfação. Algo muito forte. Sei dos riscos, mas penso apenas na missão.”
Contei sobre minha experiência de vida recente. Antes, durante e depois do vôo. Disse que senti a mesma coisa. Relatei como essa determinação e conhecimento exato da importância do que é necessário realizar, acaba por nos manter “na proa”, independente de qualquer opinião ou influência maléfica dos inimigos do país. Ele ouviu, pensou e concordou com cada letra. Percebi como esse é um sentimento comum entre todos nós nessa profissão. Na verdade, estamos aqui por razões semelhantes, independentemente do país. Somos ferramentas da humanidade. Da parte da humanidade que representamos. Somos astronautas.
“E a participação do Brasil na ISS. Depois do seu vôo as coisas estão melhorando, não estão?” perguntou Mike de imediato. Achei interesante sua pergunta. Afinal, depois de tantos atrasos e decepções para os outros 15 países participantes, pouca gente se interessa, ou dá o valor que o Brasil realmente merece nesse programa.
“Espero que sim!”, respondi. “Afinal, não sou eu que respondo oficialmente pelo programa no Brasil. Isso é competência exclusiva da Agência Espacial Brasileira. Mas estou fazendo a minha parte. O máximo que posso, há oito anos!”. Ele sorriu e disse, “então vai funcionar!”. Gostei da sua reação.
Espero que ele tenha razão, e que o Brasil reconheça a grande importância dessa cooperação para a imagem interncaional do país.
Assim como espero que tudo funcione muito bem no vôo da STS-121.
Assim, nesse sábado, espero que a Discovery ronque forte seus motores novamente. Decole entre lágrimas e satisfação. Mostre ao mundo que o trabalho e o esforço são as únicas maneiras verdadeiras de “realizar”. Passe rapidamente pela barreira do som, subindo veloz e altiva para muito longe do alcance dos interesses mundanos. Alcance o o espaço!
Os urubus? Que sobrevivam.

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